domingo, 11 de dezembro de 2011

Resenha do sexto capítulo do livro “Perspectivas Sociológicas: uma visão humanística”, de Peter Berger: “A Perspectiva Sociológica – A Sociedade como Drama”

[Talvez o termo "maquiavelismo social" seja muito forte para o que eu decidi fazer aqui, mas como eu precisava apresentar minha resenha em cinco minutos na aula Sociologia IV e não daria tempo, decidi usar o blog para que meus colegas pudessem lê-la, apresentando apenas um resumo mais didático em sala. Fica disponível também para qualquer um que tenha interesse por Sociologia, já que a resenha trata de um livro introdutório. Digamos então que eu manipulei os meios que eu tinha de acordo com meus propósitos. #maquiavelfeelings?! Espero que gostem. Beijokas e inté! ;D

I – Resenha


Como trabalho final da disciplina “Sociologia IV” do curso de Ciências Sociais da UFG, este texto busca traçar comentários críticos e possibilitar a compreensão do sexto capítulo do livro “Perspectivas Sociológicas: uma visão humanística”, de Peter Berger: “A Perspectiva Sociológica – A Sociedade como Drama”. Antes de tratarmos do capítulo em si, cabe aqui uma pequena introdução sobre esta disciplina e sua relação com o texto escolhido.

Ministrada pelo professor Dr. Francisco C. E. Rabelo, a disciplina “Sociologia IV” tem como um de seus objetivos “fornecer instrumental teórico-metodológico, de tal forma a colocar o aluno em contato com as principais correntes do pensamento sociológico contemporâneo”. O texto de Berger me possibilitou pensar em teorias sociológicas contemporâneas de autores como Talcott Parsons, Alfred Schutz, Thomas Luckmann, Erving Goffman – todos estes presentes no programa da disciplina – e ainda George Mead e Robert Merton, para citar autores que também foram comentados em sala de aula. Além do amplo referencial teórico, o livro de Berger traz, principalmente em seu sexto capítulo, uma proposta que o enquadra no pensamento sociológico contemporâneo: a sociologia com uma visão humanística, dialogando com a filosofia e a antropologia.

Como introdução à disciplina, discutimos o que é o contemporâneo. Enxerguei Berger como teórico da sociologia contemporânea em suas considerações sobre o caráter da ciência, e mais especificamente da sociologia, chegando a sugerir uma perspectiva humanística para esta.

A sociologia ocupa-se vitalmente daquilo que é, afinal de contas, o objeto principal das humanidades – a própria condição humana. Essa questão pode ser muitas vezes obscurecida pelos mecanismos da pesquisa científica e pelo vocabulário exangue criado pela sociologia em seu desejo de legitimar seu próprio status científico. Entretanto, os dados da sociologia são coletados tão perto da medula viva da existência humana que essa questão surge repetidamente, pelo menos para os sociólogos sensíveis ao significado do que estão fazendo (BERGER, 1986, p. 184).

            Peter Ludwig Berger nasceu em Viena em 1929 e emigrou aos Estados Unidos aos 17 anos. Estudou sociologia na New School for Social Research de Nova York, onde se doutorou e atuou como professor. Também foi docente nas Universidades da Geórgia e a Carolina do Norte e na Escola de Teologia da Universidade de Boston. Dedicou-se ao campo da sociologia da religião, mas tem textos relevantes no campo da teoria sociológica e sociologia política, e sobre temas como a globalização e o desenvolvimento.

Seu livro Invitation to Sociology: A Humanistic Perspective (1963), nome original da obra tradada neste texto, é dirigido a um amplo público: aos leigos em sociologia, aos estudantes e aos sociólogos. Como um convite à sociologia, seu texto atrai o leitor com sua clareza – e com capítulos de nomes curiosos como “Excurso: Maquiavelismo Sociológico e Ética (Ou: Como Adquirir Escrúpulos e Continuar a Trapacear)”! Evitando o jargão técnico, introduz sobre o modo de pensar próprio da sociologia, seus métodos de investigação, teorias clássicas e vários teóricos da segunda metade do século XX, representantes da sociologia contemporânea.

Em “A Sociologia como Passatempo Individual”, o primeiro dos oito capítulos do livro de Berger, são comentadas as imagens dos sociólogos no imaginário popular estadunidense: pessoas que buscam o benefício de indivíduos e comunidade geral; teóricos do serviço social; reformador social; coletor de estatísticas sobre o comportamento humano; preocupados em criar uma metodologia para aplicar aos fenômenos sociais; e observadores impessoais e manipuladores. Berger propõe a junção destas imagens para a construção de um tipo ideal para que se possa encontrar aproximações e desvios. Assim, o autor traz uma concepção de sociólogo que acredita ser geral e outra pessoal:

Diríamos então que o sociólogo (isto é, aquele que realmente gostaríamos de convidar para o nosso jogo) é uma pessoa intensa, interminável, desavergonhadamente interessada nos atos nos homens. [...] seu interesse dominante será o mundo dos homens, suas instituições, sua história, suas paixões (BERGER, 1986, p.27).

No segundo capítulo, “A Sociologia como Forma de Consciência”, ele trabalha os conceitos “sociedade” e “social”. Vemos que a perspectiva sociológica busca conhecer a coexistência de organização formal e organização informal para além das fachadas das estruturas sociais, objetivando a compreensão das interações sociais. É abordado o caráter moderno da consciência sociológica através de temas como: desmistificação, não-respeitabilidade, relativização e alternação. Esta última ocorre dada a fluidez geral de cosmovisões com a mobilidade geográfica e social comum na sociedade moderna. A alternação entre sistemas de significado logicamente contraditórios pode ser usada também na biografia pessoal, para explicar a reinterpretação da vida utilizando a memória, como vemos no terceiro capítulo – “Excurso: Alternação e Biografia (Ou: Como Adquirir um Passado Pré-Fabricado)” – sendo a perspectiva sociológica importante por trazer certo ceticismo moderado e nos alertar contra as alternações fáceis demais.

No quarto capítulo, “A Perspectiva Sociológica – O Homem na Sociedade”, a sociedade é representada por uma prisão, pois nos coage através de forças sociais específicas repressoras e coercitivas. Uma dessas forças é o controle social, que pode ser dar pela persuasão, ridículo, difamação, ostracismo sistemático e até mesmo violência física, além dos sistemas de controle social. Outra força é a estratificação social, como sistema de hierarquia, e as instituições. Berger cita a teoria de Durkheim como pensamento sociológico que mais se aproxima dessa visão de sociedade.

O quinto capítulo traz a imagem da sociedade como um teatro de marionetes. Em “A Perspectiva Sociológica – A Sociedade no Homem”, entendemos que a localização social afeta, além da nossa conduta, o nosso ser. A palavra chave é “internalização”, como Berger nos mostra examinando a teoria do papel (“a identidade é atribuída socialmente, sustentada socialmente e transformada socialmente”), a sociologia do conhecimento (que busca “traçar a linha que une o pensamento, seu autor e o mundo social deste” e nos oferece “um panorama de construção social da realidade”) e a teoria do grupo de referência (“a filiação e a desafiliação normalmente traz consigo compromissos cognitivos específicos”).

Os capítulos 4 e 5 trazem a totalidade da realidade humana interpretada exclusivamente em termos sociológicos e nos causam, segundo Berger, uma “claustrofobia sociológica” por mostrar apenas essa sociedade que nos coage e condiciona. Para aliviar esse efeito, o sexto capítulo (“A Perspectiva Sociológica – A Sociedade como Drama”) afirma a “liberdade humana em face aos vários determinantes sociais”. Para Kant, porém, a liberdade não pode ser demonstrada por métodos filosóficos com base na razão pura e, segundo Berger, nem por métodos científicos, pois como espécie especial de causa, a liberdade é excluída aprioristicamente do sistema fechado que é o mundo humano para os métodos científicos (incluindo o sociológico). Berger neste capítulo deixa de manter-se rigidamente no quadro de referências sociológico para poder falar de liberdade.

Berger questiona a natureza da cooperação do próprio individuo que o leva ao “cativeiro social” através dos conceitos de dois autores. Com o conceito de “definição de situação” de Thomas, Berger conclui que qualquer que seja a pré-história de uma situação social, “nós próprios somos convocados a um ato de colaboração na manutenção da definição particular”. Já a partir da intencionalidade da ação social para Weber, temos que há uma trama de significados em toda situação social. Significados estes que não são onipotentes, sendo o carisma (“autoridade social que não se baseia na tradição ou na legitimidade, e sim no impacto invulgar de um líder isolado”) o conceito de Weber que demonstra a possibilidade de se romper o consenso de uma sociedade.

As visões sociais antitéticas de Durkheim e Weber, respectivamente, da sociedade como um fato objetivo que nos define e da sociedade definida pelos atos significativos dos indivíduos criam um paradoxo. Esses atos podem ajudar a modificar a sociedade ao negar a (re)confirmação que os sistemas de controle desta necessitam. Berger cita três possibilidades: 1ª) a transformação das definições sociais, com novas definições da realidade e ações contrárias às expectativas, podendo ser um “desvio” individual ou uma “desorganização” social (e em um contexto cotidiano, podemos falar de sabotagem social); 2ª) o alheamento, onde se aparta das estruturas sociais individual ou coletivamente, havendo nesta última a criação de uma contra-sociedade “com base em definições discordantes e marginalizadas”, chamada pelos sociólogos de subcultura e de submundo pelo Berger; 3ª) e a manipulação, em que conhecendo as estruturas sociais, o indivíduo “usa-as deliberadamente de maneiras imprevistas por seus guardiões legítimos [...] de acordo com seus próprios propósitos” (maquiavelismo social).

Ainda buscando demostrar que “os controles [sociais], externos e internos, talvez não sejam tão infalíveis”, Berger usa o conceito de “distanciamento do papel”, de Goffman, em que o desempenho de um papel rejeitado interiormente é realizado com um propósito ulterior e não como uma representação imediata e sem reflexão, como é o padrão normal. Berger traz também o conceito de “êxtase”, dar um passo para fora das rotinas normais da sociedade. O ator se sente em estado de êxtase com relação ao seu mundo óbvio, quando representa um dado papel “sem comprometimento interior, deliberada e fraudulentamente”. Levantando uma discussão sobre a existência de grupos sociais ou contextos que favoreçam a consciência diferenciada pelos dois conceitos citados, Berger afirma que a “intelligentsia livremente suspensa” (para Mannheim), as culturas urbanas, os grupos situados na periferia da cidade e os grupos que se sentem inseguros em sua posição social são mais prováveis a ocorrência de “êxtase”.

O sexto capítulo trás a imagem da sociedade como um palco povoado de atores vivos, modelo altera a perspectiva sociologia ao abrir uma saída do rígido determinismo.

Isto é, o modelo teatral da sociedade a que agora chegamos não nega que os atores que estão no palco sejam coagidos por todos os controles externos estabelecidos pelo empresário e pelos controles internos do próprio papel. Ainda assim, porém os atores tem opção – representar seus papéis com entusiasmo ou má vontade, representar com convicção interior ou com “distanciamento” e, às vezes, recusar absolutamente a representar (BERGER, 1986, p. 154).

Como último exemplo de uma “certa liberdade em relação aos controles sociais”, Berger cita a teoria de sociabilidade de Georg Simmel, relacionando-a com as simulações da infância de que fala George Mead (“a sociabilidade constitui um caso especial de “brincar de sociedade”, de uma simulação mais consciente”). Sem obter êxito em alcançar sociologicamente a liberdade (para agir socialmente), Berger propõe uma análise sociológica com base em outra concepção da existência humana, na qual atribui ao homem a capacidade de liberdade (a partir de um quadro de referências antropológico) e de compreendê-la levando em conta a dimensão social.

Em um “salto mortal epistemológico”, Berger usa dois conceitos de filósofos existencialistas para trabalhar com o postulado de que os homens são livres. O primeiro é o conceito de “má fé”, do Jean-Paul Sartre, e “consiste em simular que alguma coisa é necessária, quando na verdade é voluntária”. Para Berger, a possibilidade da “má fé” já comprova a realidade da liberdade, sendo assim importante o uso desde conceito em sua perspectiva sociológica. O indivíduo é responsável por seus atos, pois ele tem a liberdade de realizar ou não seu papel social, já que “todo papel traz consigo a possibilidade da ‘má fé’”. Sem tratar das implicações éticas da “má fé” (ele o faz no sétimo capítulo), Berger fala do caráter da sociedade como imensa conspiração de “má fé” que aumenta o paradoxo da existência social.

O segundo conceito existencialista é o conceito de das Man, de Martin Heidegger, que refere-se a “uma generalidade deliberadamente vaga de seres humanos. [...] é, de alguma forma, todos os homens, mas de forma tão genérica que bem poderia não ser ninguém”. O aspecto do Man nos permite viver inautenticamente, de modo que a sociedade nos protege das questões metafisicas de nossa existência quando seguimos suas regras, e organiza nosso cosmo de significados. Já na existência autêntica, os significados são transmitidos em processos sociais. Berger conclui que assim chegamos novamente ao paradoxo de nossa existência social, com a sociedade podendo “representar uma fuga da liberdade ou uma oportunidade para ela”. Para Berger, liberdade pressupõe liberação de consciência, que se dá quando deixamos de ver o “mundo aprovado” da sociedade como o único que existe, e é aí que está a importância da perspectiva sociológica.

Em seu último capítulo, “A Sociologia como Disciplina Humanística”, Berger trata de métodos sociológicos, fala da necessidade da comunicação da sociologia e outras disciplinas que investigam a condição humana, como a história e a filosofia. Por fim, comenta sobre o contexto acadêmico da maior parte da sociologia acadêmica americana e o ensino da sociologia.

Ao explicar a relação entre o conceito de Man, de Heidegger, com a discussão de autenticidade e inautenticidade, Berger sugere um poema como ilustração de autenticidade: “Pranto por Ignacio Sánchez Mejías”, de Federico García Lorca. Dado o crescente interesse da autora deste texto por literatura, é pelo poema que encerraremos os comentários sobre o livro de Berger.

Porque morreste para sempre,
como todos os mortos da Terra,
como todos os mortos que se olvidam
em um montão de cachorros apagados.
Ninguém te conhece. Não. Porém eu te canto.
Eu canto sem tardança teu perfil e tua graça.
A madureza insigne do teu conhecimento.
A tua apetência de morte e o gosto de sua boca.
A tristeza que teve a tua valente alegria.
(LORCA, 2002, p.521)
           
O poema, dividido em quatro partes, é sobre a morte do toureiro Ignacio, que morre depois de ser ferido por um touro. Como o eu-lírico que canta os feitos e características de Ignacio, Berger canta os sociólogos e a sociologia, nos fazendo querer ser possuídos pelo demônio da sociologia de que fala Weber.

II - Referências bibliográficas
BERGER, Peter I. Perspectivas Sociológicas – uma visão humanística. Petrópolis: Vozes, 1986.

LORCA, Federico G. Pranto por Ignacio Sánchez Mejías. In: LORCA, Federico G. Obra poética completa. São Paulo: Martins Fonte, 2002. p. 506-521.

Li o livro todo e não conhecia a carinha do Berger ;D

4 comentários:

  1. Parabéns por sua resenha do livro de Peter Berger!

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  2. Albanir seu FDP. Carecudo do caralho. Prof putinha!!!!

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  3. texto bom demais, me ajudou pra caramba! Muitissimo obrigado!!! :)

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  4. Esclarecedor, obrigada me ajudou bastante.

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