[Talvez o termo "maquiavelismo social" seja muito forte para o que eu decidi fazer aqui, mas como eu precisava apresentar minha resenha em cinco minutos na aula Sociologia IV e não daria tempo, decidi usar o blog para que meus colegas pudessem lê-la, apresentando apenas um resumo mais didático em sala. Fica disponível também para qualquer um que tenha interesse por Sociologia, já que a resenha trata de um livro introdutório. Digamos então que eu manipulei os meios que eu tinha de acordo com meus propósitos. #maquiavelfeelings?! Espero que gostem. Beijokas e inté! ;D]
I – Resenha
Como trabalho final da disciplina “Sociologia IV” do
curso de Ciências Sociais da UFG, este texto busca traçar comentários críticos
e possibilitar a compreensão do sexto capítulo do livro “Perspectivas
Sociológicas: uma visão humanística”, de Peter Berger: “A Perspectiva
Sociológica – A Sociedade como Drama”. Antes de tratarmos do capítulo em si,
cabe aqui uma pequena introdução sobre esta disciplina e sua relação com o
texto escolhido.
Ministrada pelo professor Dr. Francisco C. E.
Rabelo, a disciplina “Sociologia IV” tem como um de seus objetivos “fornecer instrumental
teórico-metodológico, de tal forma a colocar o aluno em contato com as
principais correntes do pensamento sociológico contemporâneo”. O texto de
Berger me possibilitou pensar em teorias sociológicas contemporâneas de autores
como Talcott Parsons, Alfred Schutz, Thomas Luckmann, Erving Goffman – todos estes
presentes no programa da disciplina – e ainda George Mead e Robert Merton, para
citar autores que também foram comentados em sala de aula. Além do amplo
referencial teórico, o livro de Berger traz, principalmente em seu sexto
capítulo, uma proposta que o enquadra no pensamento sociológico contemporâneo:
a sociologia com uma visão humanística, dialogando com a filosofia e a
antropologia.
Como introdução à disciplina, discutimos o que é o
contemporâneo. Enxerguei Berger como teórico da sociologia contemporânea em
suas considerações sobre o caráter da ciência, e mais especificamente da
sociologia, chegando a sugerir uma perspectiva humanística para esta.
A sociologia ocupa-se vitalmente daquilo que é,
afinal de contas, o objeto principal das humanidades – a própria condição
humana. Essa questão pode ser muitas vezes obscurecida pelos mecanismos da
pesquisa científica e pelo vocabulário exangue criado pela sociologia em seu
desejo de legitimar seu próprio status científico. Entretanto, os dados da
sociologia são coletados tão perto da medula viva da existência humana que essa
questão surge repetidamente, pelo menos para os sociólogos sensíveis ao
significado do que estão fazendo (BERGER, 1986, p. 184).
Peter
Ludwig Berger nasceu em Viena em 1929 e emigrou aos
Estados Unidos aos 17 anos. Estudou sociologia na New School for Social
Research de Nova York, onde se doutorou e atuou como professor. Também foi
docente nas Universidades da Geórgia e a Carolina do Norte e na Escola de
Teologia da Universidade de Boston. Dedicou-se ao campo da sociologia da
religião, mas tem textos relevantes no campo da teoria sociológica e sociologia
política, e sobre temas como a globalização e o desenvolvimento.
Seu livro Invitation
to Sociology: A Humanistic Perspective (1963),
nome original da obra tradada neste texto, é dirigido a um amplo público: aos
leigos em sociologia, aos estudantes e aos sociólogos. Como um convite à
sociologia, seu texto atrai o leitor com sua clareza – e com capítulos de nomes
curiosos como “Excurso: Maquiavelismo Sociológico e Ética (Ou: Como Adquirir
Escrúpulos e Continuar a Trapacear)”! Evitando o jargão técnico, introduz sobre
o modo de pensar próprio da sociologia, seus métodos de investigação, teorias clássicas
e vários teóricos da segunda metade do século XX, representantes da sociologia
contemporânea.
Em
“A Sociologia como Passatempo Individual”, o primeiro dos oito capítulos do
livro de Berger, são comentadas as imagens dos sociólogos no imaginário popular
estadunidense: pessoas que buscam o benefício de indivíduos e comunidade geral;
teóricos do serviço social; reformador social; coletor de estatísticas sobre o
comportamento humano; preocupados em criar uma metodologia para aplicar aos
fenômenos sociais; e observadores impessoais e manipuladores. Berger propõe a
junção destas imagens para a construção de um tipo ideal para que se possa
encontrar aproximações e desvios. Assim, o autor traz uma concepção de sociólogo
que acredita ser geral e outra pessoal:
Diríamos
então que o sociólogo (isto é, aquele que realmente gostaríamos de convidar
para o nosso jogo) é uma pessoa intensa, interminável, desavergonhadamente
interessada nos atos nos homens. [...] seu interesse dominante será o mundo dos
homens, suas instituições, sua história, suas paixões (BERGER, 1986, p.27).
No
segundo capítulo, “A Sociologia como Forma de Consciência”, ele trabalha os
conceitos “sociedade” e “social”. Vemos que a perspectiva sociológica busca
conhecer a coexistência de organização formal e organização informal para além
das fachadas das estruturas sociais, objetivando a compreensão das interações
sociais. É abordado o caráter moderno da consciência sociológica através de
temas como: desmistificação, não-respeitabilidade, relativização e alternação.
Esta última ocorre dada a fluidez geral de cosmovisões com a mobilidade
geográfica e social comum na sociedade moderna. A alternação entre sistemas de
significado logicamente contraditórios pode ser usada também na biografia
pessoal, para explicar a reinterpretação da vida utilizando a memória, como
vemos no terceiro capítulo – “Excurso: Alternação e Biografia (Ou: Como
Adquirir um Passado Pré-Fabricado)” – sendo a perspectiva sociológica importante
por trazer certo ceticismo moderado e nos alertar contra as alternações fáceis
demais.
No
quarto capítulo, “A Perspectiva Sociológica – O Homem na Sociedade”, a
sociedade é representada por uma prisão, pois nos coage através de forças
sociais específicas repressoras e coercitivas. Uma dessas forças é o controle
social, que pode ser dar pela persuasão, ridículo, difamação, ostracismo
sistemático e até mesmo violência física, além dos sistemas de controle social.
Outra força é a estratificação social, como sistema de hierarquia, e as
instituições. Berger cita a teoria de Durkheim como pensamento sociológico que
mais se aproxima dessa visão de sociedade.
O
quinto capítulo traz a imagem da sociedade como um teatro de marionetes. Em “A
Perspectiva Sociológica – A Sociedade no Homem”, entendemos que a localização
social afeta, além da nossa conduta, o nosso ser. A palavra chave é
“internalização”, como Berger nos mostra examinando a teoria do papel (“a
identidade é atribuída socialmente, sustentada socialmente e transformada
socialmente”), a sociologia do conhecimento (que busca “traçar a linha que une
o pensamento, seu autor e o mundo social deste” e nos oferece “um panorama de
construção social da realidade”) e a teoria do grupo de referência (“a filiação
e a desafiliação normalmente traz consigo compromissos cognitivos
específicos”).
Os
capítulos 4 e 5 trazem a totalidade da realidade humana interpretada exclusivamente
em termos sociológicos e nos causam, segundo Berger, uma “claustrofobia
sociológica” por mostrar apenas essa sociedade que nos coage e condiciona. Para
aliviar esse efeito, o sexto capítulo (“A Perspectiva Sociológica – A Sociedade
como Drama”) afirma a “liberdade humana em face aos vários determinantes
sociais”. Para Kant, porém, a liberdade não pode ser demonstrada por métodos
filosóficos com base na razão pura e, segundo Berger, nem por métodos
científicos, pois como espécie especial de causa, a liberdade é excluída
aprioristicamente do sistema fechado que é o mundo humano para os métodos
científicos (incluindo o sociológico). Berger neste capítulo deixa de manter-se
rigidamente no quadro de referências sociológico para poder falar de liberdade.
Berger
questiona a natureza da cooperação do próprio individuo que o leva ao
“cativeiro social” através dos conceitos de dois autores. Com o conceito de
“definição de situação” de Thomas, Berger conclui que qualquer que seja a
pré-história de uma situação social, “nós próprios somos convocados a um ato de
colaboração na manutenção da definição particular”. Já a partir da
intencionalidade da ação social para Weber, temos que há uma trama de significados
em toda situação social. Significados estes que não são onipotentes, sendo o
carisma (“autoridade social que não se baseia na tradição ou na legitimidade, e
sim no impacto invulgar de um líder isolado”) o conceito de Weber que demonstra
a possibilidade de se romper o consenso de uma sociedade.
As
visões sociais antitéticas de Durkheim e Weber, respectivamente, da sociedade
como um fato objetivo que nos define e da sociedade definida pelos atos
significativos dos indivíduos criam um paradoxo. Esses atos podem ajudar a
modificar a sociedade ao negar a (re)confirmação que os sistemas de controle
desta necessitam. Berger cita três possibilidades: 1ª) a transformação das
definições sociais, com novas definições da realidade e ações contrárias às
expectativas, podendo ser um “desvio” individual ou uma “desorganização” social
(e em um contexto cotidiano, podemos falar de sabotagem social); 2ª) o
alheamento, onde se aparta das estruturas sociais individual ou coletivamente,
havendo nesta última a criação de uma contra-sociedade “com base em definições
discordantes e marginalizadas”, chamada pelos sociólogos de subcultura e de
submundo pelo Berger; 3ª) e a manipulação, em que conhecendo as estruturas
sociais, o indivíduo “usa-as deliberadamente de maneiras imprevistas por seus
guardiões legítimos [...] de acordo com seus próprios propósitos”
(maquiavelismo social).
Ainda
buscando demostrar que “os controles [sociais], externos e internos, talvez não
sejam tão infalíveis”, Berger usa o conceito de “distanciamento do papel”, de
Goffman, em que o desempenho de um papel rejeitado interiormente é realizado
com um propósito ulterior e não como uma representação imediata e sem reflexão,
como é o padrão normal. Berger traz também o conceito de “êxtase”, dar um passo
para fora das rotinas normais da sociedade. O ator se sente em estado de êxtase
com relação ao seu mundo óbvio, quando representa um dado papel “sem
comprometimento interior, deliberada e fraudulentamente”. Levantando uma
discussão sobre a existência de grupos sociais ou contextos que favoreçam a
consciência diferenciada pelos dois conceitos citados, Berger afirma que a
“intelligentsia livremente suspensa” (para Mannheim), as culturas urbanas, os
grupos situados na periferia da cidade e os grupos que se sentem inseguros em
sua posição social são mais prováveis a ocorrência de “êxtase”.
O
sexto capítulo trás a imagem da sociedade como um palco povoado de atores
vivos, modelo altera a perspectiva sociologia ao abrir uma saída do rígido
determinismo.
Isto é, o modelo teatral da sociedade a que agora
chegamos não nega que os atores que estão no palco sejam coagidos por todos os
controles externos estabelecidos pelo empresário e pelos controles internos do
próprio papel. Ainda assim, porém os atores tem opção – representar seus papéis
com entusiasmo ou má vontade, representar com convicção interior ou com
“distanciamento” e, às vezes, recusar absolutamente a representar (BERGER, 1986,
p. 154).
Como
último exemplo de uma “certa liberdade em
relação aos controles sociais”, Berger cita a teoria de sociabilidade de
Georg Simmel, relacionando-a com as simulações da infância de que fala George
Mead (“a sociabilidade constitui um caso especial de “brincar de sociedade”, de
uma simulação mais consciente”). Sem obter êxito em alcançar sociologicamente a
liberdade (para agir socialmente),
Berger propõe uma análise sociológica com base em outra concepção da existência
humana, na qual atribui ao homem a capacidade de liberdade (a partir de um
quadro de referências antropológico) e de compreendê-la levando em conta a
dimensão social.
Em
um “salto mortal epistemológico”, Berger usa dois conceitos de filósofos
existencialistas para trabalhar com o postulado de que os homens são livres. O
primeiro é o conceito de “má fé”, do Jean-Paul Sartre, e “consiste em simular
que alguma coisa é necessária, quando na verdade é voluntária”. Para Berger, a
possibilidade da “má fé” já comprova a realidade da liberdade, sendo assim
importante o uso desde conceito em sua perspectiva sociológica. O indivíduo é
responsável por seus atos, pois ele tem a liberdade de realizar ou não seu
papel social, já que “todo papel traz consigo a possibilidade da ‘má fé’”. Sem
tratar das implicações éticas da “má fé” (ele o faz no sétimo capítulo), Berger
fala do caráter da sociedade como imensa conspiração de “má fé” que aumenta o
paradoxo da existência social.
O segundo conceito existencialista é o conceito de das Man, de Martin Heidegger, que
refere-se a “uma generalidade deliberadamente vaga de seres humanos. [...] é,
de alguma forma, todos os homens, mas de forma tão genérica que bem poderia não
ser ninguém”. O aspecto do Man nos
permite viver inautenticamente, de modo que a sociedade nos protege das
questões metafisicas de nossa existência quando seguimos suas regras, e
organiza nosso cosmo de significados. Já na existência autêntica, os
significados são transmitidos em processos sociais. Berger conclui que assim
chegamos novamente ao paradoxo de nossa existência social, com a sociedade
podendo “representar uma fuga da liberdade ou uma oportunidade para ela”. Para
Berger, liberdade pressupõe liberação de consciência, que se dá quando deixamos
de ver o “mundo aprovado” da sociedade como o único que existe, e é aí que está
a importância da perspectiva sociológica.
Ao explicar a relação entre o
conceito de Man, de Heidegger, com a
discussão de autenticidade e inautenticidade, Berger sugere um poema como
ilustração de autenticidade: “Pranto por Ignacio Sánchez Mejías”, de Federico
García Lorca. Dado o crescente interesse da autora deste texto por literatura,
é pelo poema que encerraremos os comentários sobre o livro de Berger.
Porque
morreste para sempre,
como todos os mortos da Terra,
como todos os mortos que se olvidam
em um montão de cachorros apagados.
como todos os mortos da Terra,
como todos os mortos que se olvidam
em um montão de cachorros apagados.
Ninguém
te conhece. Não. Porém eu te canto.
Eu canto sem tardança teu perfil e tua graça.
A madureza insigne do teu conhecimento.
A tua apetência de morte e o gosto de sua boca.
A tristeza que teve a tua valente alegria.
(LORCA, 2002, p.521)
Eu canto sem tardança teu perfil e tua graça.
A madureza insigne do teu conhecimento.
A tua apetência de morte e o gosto de sua boca.
A tristeza que teve a tua valente alegria.
(LORCA, 2002, p.521)
O
poema, dividido em quatro partes, é sobre a morte do toureiro Ignacio, que
morre depois de ser ferido por um touro. Como o eu-lírico que canta os feitos e
características de Ignacio, Berger canta os sociólogos e a sociologia, nos
fazendo querer ser possuídos pelo demônio da
sociologia de que fala Weber.
II
- Referências bibliográficas
BERGER, Peter I. Perspectivas
Sociológicas – uma visão humanística. Petrópolis: Vozes, 1986.
Li o livro todo e não conhecia a carinha do Berger ;D |
Parabéns por sua resenha do livro de Peter Berger!
ResponderExcluirAlbanir seu FDP. Carecudo do caralho. Prof putinha!!!!
ResponderExcluirtexto bom demais, me ajudou pra caramba! Muitissimo obrigado!!! :)
ResponderExcluirEsclarecedor, obrigada me ajudou bastante.
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